Como parte das atividades da disciplina de Meio Ambiente e Interdisciplinaridade do programa de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, fomos convidados a assistir o filme A Vila, dirigido por M. Night Shyamalan, sob a ótica dos temas trabalhados na disciplina.
Mais uma vez, com o intuito de manter um registro sobre como o filme aborda o negacionismo, a interdisciplinaridade, a relação com o meio ambiente e o governo pelo medo (estou fazendo aqui um paralelo com artigos de MADRUGA e CORREIA que tenho lido para a minha tese), e compartilhá-lo com quem interessar, deixo a seguir uma breve análise sobre as partes que me chamaram a atenção…
A Vila, filme lançado em 2004 e dirigido por M. Night Shyamalan, aborda temas como proteção, isolamento, controle e medo. Sua história de fundo (backstory) parte de um desejo de um grupo de pessoas de se protegerem do restante da sociedade, tomando assim medidas como o isolamento de todos e o controle dos mais jovens por meio do medo. Tal estratégia de controle do grupo pode ser considerado um governamento pelo medo.
O filme explora o cenário de um vilarejo no final do séc. XIX, no qual seus habitantes vivem de forma harmoniosa, mas há um porém: nenhum deles pode sair do vilarejo e adentrar a floresta, devido a terríveis criaturas que podem atacá-los. Durante a trama, um incidente infeliz com um dos personagens força a protagonista a ter que sair da vila em busca de ajuda, levando a uma revelação chocante: os monstros não existem, sendo pura encenação dos anciões, os moradores mais antigos e que governam a vila. Mas, por quê?
Aos poucos, revela-se que todos os antigos moradores já haviam perdido pessoas próximas queridas na vida urbana longe dali e, por não quererem mais confrontar aquela realidade que consideravam perigosa demais, criaram aquela comunidade em meio a uma reserva florestal de um dos membros e erradicaram-se ali, optando por jamais contar sobre a vida fora daqueles limites para seus descendentes.
Ironia ou não, a decisão de isolarem-se em seu “pequeno paraíso” foi responsável pela morte de muitos dos moradores ou de seus descendentes que, sem acesso a medicamentos ou cuidados médicos adequados em situações críticas, morriam sem o devido auxílio. Assim, como uma espécie de fractal imperfeito, aquele vilarejo apresenta-se tão vil quanto a própria vida fora daquele perímetro que eles tanto temiam.
Acrescente-se a isso o fato de que todos os jovens que lá nasceram e cresceram desconheciam a verdade, eram privados de conhecer o “mundo externo” e expostos a riscos devido à falta de cuidados médicos apropriados – a protagonista é cega devido a um sarampo que contraiu enquanto jovem, o que poderia ser evitado se ali houvesse a vacina. Cabe assim a pergunta: tal comportamento negacionista e autoritário, buscando uma solução visivelmente míope (e reducionista) para o problema da insegurança no “mundo normal”, pode ser realmente enxergado como algo benevolente para toda a comunidade? Ao se deparar com mortes, sequelas e cerceamento de liberdades, podemos afirmar que os fins justificam os meios?
Devido à cegueira, a protagonista é privada até mesmo de conhecer a última realidade: o mundo que se encontra além das fronteiras da “floresta” em que eles vivem na verdade trata-se do mundo contemporâneo, contrastando com o “tempo cronológico” do vilarejo, que aparenta estar no final do séc. XIX.
Aqui, vale uma comparação entre os fatos observados no filme e a dificuldade de alguns em aceitar a existência de uma crise ambiental: tanto o controle pelo medo presente em A Vila quanto o negacionismo observado na ciência por quem nega a crise ambiental são formas de lidar com a incerteza e a falta de controle em relação ao futuro.
Na trama, os anciões que lideram a comunidade utilizam o medo das criaturas desconhecidas como forma de controlar a população e manter a estabilidade na vila. Eles acreditam que ao manter as pessoas isoladas e limitando suas interações com o mundo exterior, estarão protegendo a comunidade de ameaças externas. De forma análoga, muitos indivíduos que negam a crise ambiental podem estar agindo movidos pelo medo do desconhecido e da mudança. Ao negar a existência de problemas ambientais e suas consequências, eles mantêm uma sensação de segurança e controle sobre o futuro, ignorando a necessidade de mudanças urgentes para preservar o planeta.
No entanto, tanto o controle pelo medo quanto o negacionismo podem levar a consequências graves e duradouras. No filme, a verdadeira natureza da vila (como opressora e tão prejudicial quanto o mundo lá fora) é revelada, deixando a comunidade em choque e fazendo-os repensar suas crenças e ações. Da mesma forma, a negação da crise ambiental pode levar a danos irreparáveis ao meio ambiente e à sociedade como um todo.
Também podemos explorar o filme quanto à sua perspectiva para várias questões interdisciplinares, ao observar como o mesmo trata diversos aspectos sociais, políticos, econômicos e ambientais.
Em relação aos aspectos sociais, o filme mostra a organização de uma comunidade isolada do mundo exterior, com sua própria cultura, regras e crenças. A dinâmica entre os personagens revela questões sociais como poder, controle, autoridade e individualidade.
No âmbito político, o filme retrata a liderança da comunidade, composta por um grupo de anciões, que impõe regras e normas para manter a ordem e a estabilidade na vila. Além disso, a trama apresenta a relação entre a vila e o mundo exterior, que é vista como uma ameaça potencial.
No campo econômico, o filme retrata a subsistência da comunidade, que é baseada em agricultura, criação de animais e outras atividades locais. Os personagens têm pouco contato com o mundo exterior e dependem de seus próprios recursos para sobreviver.
Em relação aos aspectos ambientais, o filme apresenta a importância do meio ambiente para a subsistência da comunidade e para a proteção contra ameaças externas. As criaturas misteriosas que ameaçam a vila estão presentes na floresta ao redor, o que enfatiza a importância do equilíbrio ecológico.
Em resumo, o filme A Vila lida com uma forma de controle e governo pelo medo disfarçado de altruísmo, aborda um certo grau de reducionismo e negacionismo na forma como o poder é exercido localmente e apresenta vários temas interdisciplinares.
Encerro então questionando com a famosa frase de Maquiavel (que não é de Maquiavel!): os fins justificam os meios?